O pequeno país insular do Sri Lanka, ao sul da Índia, ganhou as manchetes de todo o mundo nos últimos dias, depois que um grupo de manifestantes invadiu a residência presidencial e incendiou a casa do primeiro-ministro para exigir uma mudança de governo.
Imagens transmitidas no mundo inteiro mostraram alguns dos manifestantes nadando na piscina presidencial.
Embora nenhum dos dois políticos tenha sido ameaçado pelo ato, já que não estavam em suas residências no momento das invasões, a situação terminou com o presidente Gotabaya Rajapaksa dizendo que vai renunciar.
“Rajapaksa informou oficialmente ao primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe que renunciará conforme anunciado anteriormente”, disse um comunicado do gabinete do primeiro-ministro divulgado nesta segunda-feira (11/7).
Acredita-se que ele deva deixar o cargo ainda nesta semana.
Rajapaksa, que vem enfrentando pressão para renunciar há meses, enquanto o país enfrenta sua pior crise econômica já registrada, já havia sinalizado no fim de semana sua intenção de renunciar em 13 de julho, mas não se dirigiu ao público nem enviou uma carta de renúncia.
Mas por que esse país do Oceano Índico, habitado principalmente por três grupos étnicos diferentes, chegou a tal ponto de instabilidade? Entenda:
O que aconteceu?
Milhares de manifestantes de diferentes partes do país se reuniram na capital Colombo no sábado (09/07).
O presidente Rajapaksa deixou sua residência oficial na sexta-feira por precaução, enquanto os protestos eram anunciados na cidade, disseram fontes do Ministério da Defesa à agência de notícias Reuters.
A BBC não conseguiu confirmar onde o presidente está agora.
Os manifestantes começaram seu avanço em direção à residência presidencial na manhã de sábado, atravessando postos de controle. Então centenas de manifestantes entraram na residência, gritando e balançando a bandeira nacional.
Algo semelhante aconteceu na residência do primeiro-ministro que, poucas horas depois, anunciou sua demissão para dar origem a um governo de coalizão e garantir a segurança dos cidadãos.
Logo após o anúncio, no entanto, começaram a circular vídeos da residência do ministro em chamas. Acredita-se que o fogo tenha sido causado por manifestantes.
Outros vídeos postados nas redes sociais mostraram pessoas circulando pela residência presidencial e algumas nadando na piscina. Outros esvaziavam gavetas.
Por que eles estão protestando?
Os protestos que foram vistos em todo o mundo neste fim de semana na capital, Colombo, tomam as ruas há meses.
O Sri Lanka está atualmente em uma grave crise financeira e não tem acesso a moedas estrangeiras como o dólar ou o euro para pagar suas importações — o que inclui alimentos, remédios e combustível.
Há menos de uma semana, o governo cingalês anunciou que não tinha reservas de moeda estrangeira em quantidade suficiente para importar combustível e que as reservas de gasolina e diesel durariam poucos dias se os níveis normais de consumo fossem mantidos.
Assim, na tentativa de conter a crise, as autoridades implementaram a proibição da venda de gasolina e diesel a consumidores privados, tornando-se o primeiro país a implementar essa medida desde a década de 1970.
Isso levou escolas do Sri Lanka a fecharem, e as autoridades pediram aos 22 milhões de pessoas do país que trabalhassem de casa.
Por que há uma crise na economia?
As reservas cambiais do Sri Lanka estão praticamente vazias e o país enfrenta as consequências de uma inflação crescente — alguns alimentos, medicamentos e combustível estão em falta.
Em maio, pela primeira vez em sua história, o país deixou de pagar sua cota da dívida externa.
O governo atribui a crise à pandemia de coronavírus, que atingiu o setor de turismo, uma de suas principais fontes de receita.
Além disso, disse que os turistas têm medo de viajar para o país após uma série de ataques a bomba a igrejas que ocorreram em 2019.
No entanto, alguns especialistas argumentam que o verdadeiro problema é a má gestão fiscal.
Perto do fim de sua guerra civil em 2009, o Sri Lanka procurou se concentrar no fornecimento de mercadorias ao mercado doméstico, em vez de tentar vender seus produtos em mercados estrangeiros.
Assim, enquanto as receitas de exportação permaneceram baixas, a conta de importação continuou a subir e assim o déficit em transações correntes do país se ampliou.
Atualmente, o Sri Lanka importa US$ 3 bilhões a mais por ano em produtos do que exporta. É por isso que, segundo economistas, ficou sem moeda estrangeira.
Além disso, o governo acumulou grandes dívidas com outros países, incluindo a China, para financiar o que seus críticos chamam de “projetos de infraestrutura desnecessários”.
Grande parte da raiva popular sobre a crise econômica foi direcionada ao presidente Gotabaya Rajapaksa e seu irmão, Mahinda, que foi primeiro-ministro, mas renunciou em maio.
Força do povo pressiona por derrubada de presidente
Por Ethirajan Anbarasan, da BBC News, em Colombo
Estes são tempos extraordinários no Sri Lanka.
Após um dia de fúria e violência, os dois mais alto líderes do país anunciaram sua renúncia.
A notícia provocou comemoração no principal local dos protestos em Colombo. Fogos de artifício foram ouvidos por toda a cidade.
Estou em Galle Face, local de protesto, onde muitos começaram a voltar para casa, embora outros milhares ainda permaneçam aqui. Alguns estão cantando e tocando instrumentos musicais, comemorando.
É surpreendente como a situação mudou. Há alguns dias, uma foto do presidente Gotabaya Rajapaksa e do primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe sorrindo no parlamento circulou nas redes sociais.
Muitos expressaram sua raiva, dizendo que ambos pareciam felizes enquanto milhões lutavam para conseguir comer três vezes ao dia. Mas uma semana é muito tempo na política.
Eu vi o presidente Rajapaksa no auge de seu poder. Ele era um homem implacável e muito temido. Ninguém, incluindo jornalistas, gostaria de ver um de seus momentos de fúria.
Que agora o presidente tenha fugido de sua residência oficial é algo dramático, que não poderia ter sido imaginado há alguns meses.
Sobre o Sri Lanka:
- O Sri Lanka se tornou independente do Reino Unido em 1948. Três grupos étnicos (cingaleses, tâmeis e muçulmanos) compõem 99% da população de 22 milhões do país.
- Uma família de irmãos domina há anos: Mahinda Rajapaksa se tornou um herói entre a maioria cingalesa em 2009, quando seu governo derrotou rebeldes separatistas tâmeis após anos de guerra civil sangrenta. Seu irmão Gotabaya, que era secretário de Defesa na época, é o atual presidente, mas diz que está deixando o cargo.
- No Sri Lanka, o presidente é o chefe de estado, governo e militar, mas compartilha muitas responsabilidades executivas com o primeiro-ministro, que lidera o partido com maioria no Parlamento.
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: REUTERS