Pedro Sisnando Leite[1]
Introdução
O mundo encontra-se em profunda crise. Muitos historiadores são de opinião que desde a Segunda Guerra Mundial não há registro de situação tão perturbadora como a dos nossos dias. Crise econômica, política, moral, religiosa, e das instituições, além da violência urbana e conflitos militares no Oriente Médio. São muitas as causas que estão provocando isso, e cada país tem as suas peculiaridades.
No caso do Brasil, estamos envolto numa turbulência política, econômica e social desestabilizadora da própria democracia. No cerne desse fenômeno, estão práticas de corrupção sistêmica com recursos públicos e envolvimento de empresas tradicionais da construção civil. Conheço situações similares em pequenos países da África com regimes totalitários. O eminente economista Gunnar Myrdal (Prêmio Nobel de Economia, 1971) realizou, durante dez anos, um estudo sobre a pobreza da Ásia. São três volumes com uma riqueza de dados impressionante. No entanto, ele resolveu dar um título inusitado ao livro publicado pelo Instituto de Estudos de Estocolmo: “O Drama Asiático”. Perguntado sobre o significado deste tema, Myrdal respondeu: “Corrupção”.
Não se deve comparar essa situação secular ao caso do Brasil, mas o preocupante no nosso caso é que não se vê claramente os caminhos que o País vai seguir para a superação definitiva dessa complexa crise. Sem falar nos desafios das reformas previdenciária e fiscal e as consequências da dívida pública astronômica.
Em tal ambiente, o Brasil precisa se credenciar para restabelecer a credibilidade junto às agências internacionais de avaliação para investimentos. Com as indicações de um verdadeiro desastre das contas públicas, o governo deve conceber ações ousadas para o restabelecimento das políticas e estratégias da gestão da economia do País.
Na verdade, para muitos economistas renomados, os governantes do Brasil perderam a navegabilidade da economia e precisam de novos planos para a recuperação da renda, que caiu 8% por cento em dois anos (2014-2015), e de avanços no seu crescimento, com a criação de trabalho para milhões de desempregos.
Agenda do Desenvolvimento Brasileiro
O grande desafio do Brasil, na atualidade, é a retomada do seu processo histórico de desenvolvimento. Mas é preciso levar em conta que esse processo é complexo e envolve muitos fatores intangíveis, tais como padrões culturais e valores sociais, além de infraestrura. Ele contém dimensões políticas e institucionais, assim como elementos econômicos setoriais e globais. Depende também de fatores externos incontroláveis e de forças internas mais suscetíveis de controle, mas submete-se, no entanto, a capacidade de gestão. São muitas as teorias que buscam explicar tal fenômeno.
O Desenvolvimento do Brasil tem sido limitado por obstáculos determinados pelas características de seu meio físico, como é o caso da grande região semiárida do Nordeste, e pelas dificuldades de colonização da Amazônia. Em contrapartida, as regiões do Sul, Sudeste e Centro-Oeste contam com fatores físicos valiosos que contribuem para ajudar o País num crescimento continuado.
Na verdade, o Brasil é o quarto maior País do mundo, com oito milhões de quilômetros quadrados, correspondendo a quase 50% da América do Sul. Superou os 200 milhões de habitantes e, por isso, é um grande mercado interno. Mesmo assim, o professor Stefan Robock (Nações Unidas/BNB), no seu livro sobre “O Brasil em Debates”, embora reconheça as imensas riquezas naturais existentes, destaca que o Brasil, durante séculos, deixou de atribuir grau elevado de prioridade ao investimento em seus recursos humanos, porém reconhece que poucos países do mundo conseguiram um grau tão notável de unidade cultural e religiosa.
Esses comentários objetivam motivar uma reflexão sobre as razões por que o Brasil precisa formular um planejamento mais sistemático. É necessário ter-se um mapeamento dos problemas, prioridades, estratégias e necessidades de recursos para avançar na formatação de um desenvolvimento econômico sustentável e com menos pobreza e desigualdades, ainda reinantes atualmente.
Diante da atual crise no Brasil, o Governo Federal precisa estar atento aos problemas de estabilidade econômica, dívida interna e externa, sistema cambial e taxas de juros. São questões sobre as políticas e a gestão do setor público, mas as consequências disso têm efeitos sociais sobre a população.
O que desejo destacar, entretanto, é que um dos maiores problemas do Brasil diz respeito ao elevado nível de pessoas abaixo da linha de pobreza, especialmente a pobreza crônica que se mantém inalterada nos últimos vinte anos a despeito da adoção de conceitos administrativos que, nos últimos anos, indicam uma suposta redução nesses índices (Armas contra a Pobreza, 2016). São cerca de 50 milhões de pessoas em pobreza absoluta, apesar das doações do Bolsa Família há vários anos. Na verdade, são transferências para o alívio da pobreza, para os que recebem esse benefício assistencial. Neste caso, há necessidade de ajustes para que seja cumprido o seu verdadeiro objetivo.
Mas o verdadeiro desafio governamental do Brasil é conceber uma nova política que enfrente esse drama histórico de superação da pobreza com desenvolvimento econômico. É preciso também manter programas humanitários de alívio da miséria, principalmente para as populações das áreas mais atrasadas do Norte e do Nordeste do Brasil, especialmente do semiárido.
No dia internacional para a Erradicação da Pobreza, o Papa Bento XVI convidou todas as pessoas de boa vontade a “Rejeitar a fatalidade da miséria”, e conclamou para que seja dada particular atenção às pessoas e famílias mais desfavorecidas e aos mais frágeis da sociedade”. Rejeitou, ainda, todas as formas de ajuda assistencialista duradouras que ferem a dignidade humana e matam a criatividade das pessoas assistidas.
Os Desafios Regionais
A Constituição Federal de 1988 destaca, em muitos dos seus Artigos (3º, 21º, 43º, 159º e 165º), que o Nordeste do Brasil tem direito à redução das desigualdades regionais e à erradicação da pobreza e da marginalização. De fato, é no Nordeste onde se encontra a maior parte dos pobres do Brasil, razão por que o Governo Federal deve atribuir uma grande prioridade ao desenvolvimento regional.
São mais de 50 milhões de brasileiros, dos quais praticamente a metade vive em condições de pobreza e miséria. Além disso, o Nordeste tem contribuído para o crescimento do Brasil, como ocorreu de modo substancial na época do “Milagre Brasileiro”. Estudos do Banco do Nordeste mostram como o Brasil pode ser beneficiado com investimentos nessa Região.
O ex-ministro da Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência da República, Prof. Roberto Mangabeira Unger, é categórico quando afirma, em seus estudos, que jamais teremos um Brasil desenvolvido sem o progresso do Nordeste.
No momento em que há perspectiva de mudança de governo, é hora de os políticos e intelectuais do Nordeste lutarem pelo cumprimento da Constituição Federal de 1988. Criação de órgãos regionais fortes, elaboração de planejamento integrado, programas para a redução das disparidades regionais, erradicação da pobreza real com desenvolvimento, incentivos diferenciados para as atividades econômicas, tratamento especial para o semiárido, com projetos de desenvolvimento sustentável e não mero convívio com a pobreza. A Região precisa de um Banco do Nordeste fortalecido, com quadros técnicos prestigiados. É preciso estancar as ameaças de redução de seus recursos financeiros constitucionais (FNE) e de elevação de taxas de juros para setores estratégicos para o desenvolvimento regional.
Em suma, o Nordeste tem sido involuntariamente preterido na política nacional de desenvolvimento. Todos falam de modo favorável, mas poucos fazem para cumprir com os seus compromissos. De fato, o que falta é uma política de desenvolvimento regional ou um Projeto Federal que vislumbre essa região. Nos últimos anos, o que vemos é o Banco do Nordeste sendo enfraquecido juntamente com a SUDENE e o DNOCS, que está ameaçado de extinção.
Acredito que um elemento chave para explicar essa situação de descaso pelo Nordeste decorre da ideia de que o Nordeste é um subproduto do desenvolvimento do Sudeste e que, com o tempo, os benefícios desse processo se difundirão por toda essa região. Pela experiência histórico, no entanto, essa teoria não funcionou em nenhum lugar do mundo. Mas no Brasil, tal pensamento é o que tem prevalecido. Muitos estudos advertem sobre essa equivocada “ideologia”, que precisa ser reconsiderada. (Novo Enfoque do Desenvolvimento Econômico e as Teorias Convencionais, BNB/Instituto do Ceará, 2012).
[1] Pedro Sisnando Leite é professor Titular de Economia de Pós-Graduação da UFC e Vice-Presidente do Instituto de História e Geografia e da Academia de Ciências Sociais do Ceará.