Paula Adamo Idoeta
Da BBC News Brasil em Londres
Falar das taxas de natalidade em geral é falar das escolhas e conquistas das mulheres: ao aumentar seus níveis de educação e avançar no mercado de trabalho, elas tiveram, em geral, menos filhos. No mundo, a média por mulher caiu de 5 filhos em 1950 para 2,3 no ano passado.
Em muitas nações ricas, essa média acabou ficando em índice muito abaixo do mínimo necessário para repor as pessoas que morrem todos os anos. Em países como Alemanha, Itália e Espanha, cada nova geração é cerca de 25% menor que a anterior.
Embora esse movimento costume ser acompanhado de alta na riqueza e nos níveis educacionais e traga potenciais benefícios ambientais, também levanta o debate: como manter a população jovem e produtiva em tamanho suficiente para sustentar as aposentadorias e custos de saúde de uma população idosa cada vez mais numerosa e longeva?
Agora, um grupo de economistas tem destacado o papel crucial que homens – e não só as mulheres – vêm tendo nessa equação quando participam mais dos cuidados com os filhos e com a casa.
Os pesquisadores argumentam que em alguns países de alta renda onde homens são mais participativos, taxas de fecundidade têm subido entre alguns subgrupos, ou seja, mais mulheres têm decidido ter mais filhos.
Já nos países onde a taxa de fecundidade está abaixo de 1,5 filho por mulher, “os homens fazem menos de um terço do trabalho doméstico”, diz o estudo.
Além do papel masculino, outros fatores que influenciam isso positivamente, segundo os economistas, são políticas públicas bem desenhadas de creches e licenças-maternidade e paternidade, normas sociais favoráveis às mulheres e ambientes de trabalho mais flexíveis.
Embora o estudo enfoque em países de alta renda, as conclusões podem trazer ensinamentos para o futuro do Brasil, onde a média de filhos por mulher – que foi de 1,7 em 2020 – já está abaixo do nível mínimo de reposição. E onde o chamado “bônus demográfico” – quando a população economicamente ativa supera bastante a aposentada – está a poucas décadas de terminar (confira mais detalhes abaixo).
‘Nova era da economia da fecundidade’
O grupo de economistas, das universidades alemãs de Mannheim e Regensburg e da americana Northwestern, argumenta que parecem haver novas tendências moldando a “economia da fecundidade”.
Se antes estava consolidada a crença de que, ao entrar no mercado de trabalho, a mulher passava a ter menos filhos, agora, não é mais necessariamente assim.
Nos cruzamentos de dados de países de alta renda estudados pelo grupo, “se reverteu a relação (negativa) entre o trabalho feminino e a fecundidade. Hoje, em países onde mais mulheres trabalham, mais bebês nascem”, diz o estudo.
Aí entra o papel masculino: nesses estratos de alta renda, há indicativos de que “a distribuição dos custos e benefícios dos filhos entre mães e pais em parte determina a fertilidade”. Especificamente, se um dos pais tem de arcar com a maior parte dos custos de ter um bebê e, em consequência, tiver menos probabilidade de concordar em ter um segundo filho, a fertilidade vai ser baixa, não importa o quanto o outro pai queira ter mais um filho”.
Um dos destaques da pesquisa são os países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia), que combinam altíssima renda per capita com um acúmulo de décadas de divisão menos desigual nos cuidados com os filhos, normas sociais mais igualitárias e políticas generosas de apoio às famílias.
Embora a taxa de fecundidade de todos esses países continue sendo baixa – de no máximo 1,7 filho por mulher, na Islândia e na Suécia -, dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) usados pelos pesquisadores apontam que, quanto mais crescia o Produto Interno Bruto (PIB) per capita e a participação feminina na economia, mais crescia o número de filhos por mulher.
Padrões de fertilidade x renda
O caso nórdico não significa que esses países caminhem rumo a taxas de fecundidade substancialmente mais altas, nem que as teorias de fecundidade estivessem erradas. Apenas significa que novos padrões de comportamento estão emergindo, explica à BBC News Brasil Anne Hannusch, professora-assistente de Economia da Universidade de Mannheim e coautora do estudo.
“Padrões (de baixa fecundidade) que se mantiveram por mais de cem anos estão mudando para países ricos. Isso só quer dizer que, em países de alta renda, parece que estamos indo em uma nova direção, em que não parece ser mais uma verdade universal que a fertilidade declina à medida que a renda cresce”, afirma.
Nessa transição, prossegue a economista, muitas mulheres ambicionam mais do que apenas voltar ao mercado de trabalho. Daí a importância do que Hannusch e seus colegas chamam de “pais cooperativos” e de outras políticas, além de mudanças em relação à carga moral imposta a mães.
Isso inclui tanto um compartilhamento maior dos cuidados com crianças e das tarefas domésticas, quanto mudanças nas normas sociais em geral. Hannusch acha que até mesmo seu país, a Alemanha, tem normas sociais que ela enxerga como rígidas.
“Na Alemanha, há uma percepção de que, se você não fica em casa para cuidar do seu bebê, você é uma mãe ruim. Essas normas afetam escolhas como: ‘cuido das crianças ou volto ao mercado de trabalho?'”, explica a economista.
Para além da licença-maternidade
Ou seja, mesmo havendo em muitos países de alta renda – como a Alemanha – licenças-maternidade longas, mulheres ainda enfrentam barreiras como normas sociais desfavoráveis, pouca flexibilidade no mercado de trabalho (por exemplo, jornadas que não coincidem com horários de creches) e menor progressão salarial que os homens.
Esse conjunto cria o que os economistas chamam no estudo de “penalidade da maternidade”. “São coisas que parecem ter muita importância para as mulheres que querem ter filhos e continuar no mercado de trabalho”, diz Hannusch.
Como estamos falando de grupos sociais mais economicamente favorecidos, essas mulheres já não se contentam apenas em voltar da licença-maternidade, mas sim “voltar ao trabalho em um emprego com a possibilidade de promoção”, acrescenta a economista.
Por isso, políticas públicas nessa área, para serem bem-sucedidas, precisam ir além da licença-maternidade, ela explica.
“Na Europa, a licença-maternidade geralmente é o primeiro ano de vida da criança, e, depois, as mulheres voltariam ao mercado de trabalho, que é quando o debate se converte em: ‘vou conseguir pagar por um serviço de cuidado da criança? Tenho um parceiro para compartilhar as responsabilidades comigo? Meu empregador é flexível?’. Porque as crianças não precisam do cuidado apenas no primeiro ano – são 18 anos ou mais (risos), talvez a vida inteira.”
É aí que as políticas e normas sociais mais enraizadas nos países nórdicos começaram a fazer diferença nas taxas de fecundidade, argumentam Hannusch e seus colegas no estudo.
“Em países como a Suécia, onde as tarefas domésticas são compartilhadas mais igualmente, há uma aparente correlação entre aumento na fertilidade quando os homens participam mais do trabalho doméstico. Também há políticas familiares (de creches) e compartilhamento da licença-parental. Mas não é algo que aconteceu da noite para o dia, é um longo processo”, afirma a economista.
“Por isso, nosso estudo não diz que há uma solução simples e imediata (para a fertilidade baixa de muitos países de alta renda), porque qualquer política familiar vai interagir com normas sociais, decisões do casal, disposição dos homens em contribuir – não é um fator só que, se mudado, vai ajustar tudo. São coisas que interagem entre si, e normas sociais mudam lentamente. Leva tempo.”
Segundo os dados do estudo, em países desenvolvidos onde é mais fácil conciliar trabalho e família, “as mulheres têm ambos”. “Nos países onde os dois (trabalho e família) estão em conflito, as mulheres são forçadas a fazer escolhas, resultando tanto em menos nascimentos de crianças quanto menos mulheres trabalhando”, diz a pesquisa.
Uma reportagem do jornal britânico Financial Times reuniu outros exemplos de estudos acadêmicos sugerindo que padrões tradicionais de fecundidade estão mudando em países desenvolvidos. Em alguns deles, diz a reportagem, a probabilidade de ter um segundo filho passou a ser maior entre profissionais de nível educacional mais alto, e menor entre faixas de escolaridade mais baixa, algo que contradiz percepções enraizadas sobre fecundidade.
E o Brasil?
No Brasil, as taxas de fecundidade ainda parecem seguir a lógica de que, quanto maior a renda e a educação femininas, menor a quantidade de filhos por mulher – que caiu de 6,2, em média, em 1940, para 1,7 em 2020.
“Em um extremo, mulheres com mais anos de estudo e uma progressão maior na carreira profissional têm cada vez menos filhos, muitas vezes menos do que o desejado, em especial por não conseguirem conciliar trabalho e família”, aponta o relatório Fecundidade e Dinâmica da População Brasileira, feito em 2018 para o Fundo de População da Organização das Nações Unidas (ONU).
“O mesmo acontece quando se analisam os índices de acordo com a renda: nos 20% dos domicílios com maiores rendimentos no país, as mulheres têm taxas de fecundidade que não chegam às taxas de reposição. Na outra ponta, e com número significativo de pessoas, percebe-se que as mulheres com menos anos de estudo ainda têm mais filhos do que desejam. Isso porque, em geral, mulheres com menos escolaridade, rendimento e oportunidades também acabam tendo filhos quando são jovens – e, na maioria, filhos nascidos de gestações não planejadas.”
Ao mesmo tempo, como a população brasileira tem envelhecido em ritmo rápido, o país está nas últimas décadas do chamado “bônus demográfico”, ou seja, de um contingente grande de população jovem e economicamente ativa em relação ao grupo etário com mais inativos (como crianças e idosos).
Por volta da década de 2040, as estimativas da ONU são de que o grupo de brasileiros de 15 a 64 anos alcançará seu pico e começará a cair. A partir daí, vai crescer proporcionalmente a faixa de brasileiros com mais de 60 anos. Tudo isso vai acontecer antes de o país ter conseguido elevar sua renda para o patamar dos países ricos.
É nesse contexto que a discussão em torno das taxas de fecundidade pode ganhar relevância.
O estudo de Hannusch e seus colegas não incluiu o Brasil. Mas ela aponta que, se as normas sociais do país se mantiverem “muito tradicionais”, ou seja, a carga dos cuidados com os filhos se mantiver excessivamente sobre os ombros femininos, é improvável que eventuais políticas favoráveis à fecundidade funcionem, mesmo entre as mulheres com mais renda.
“Trata-se de identificar onde o Brasil está neste momento em seu desenvolvimento e talvez pensar para onde as coisas vão daqui 20 ou 30 anos. Pode ir para caminhos diferentes a depender das normas sociais e de como esses fatores são implementados no futuro”, diz a economista.
Na visão de Hannusch e seus colegas, “a fecundidade ultrabaixa não é um destino inescapável, mas sim um reflexo de políticas, instituições e normas prevalentes na sociedade”.
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: GETTY IMAGES