Redação
BBC News Mundo
A oposição venezuelana registrou um candidato “provisório” na terça-feira (26/3), depois de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país ter impedido a nomeação de sua escolhida para as eleições presidenciais.
O candidato inscrito é o diplomata Edmundo González Urrutia, que foi embaixador da Venezuela na Argentina e na Argélia.
“Decidimos registrar provisoriamente o presidente do Conselho de Administração do Partido da Unidade Democrática, o cidadão Edmundo González Urrutia, para preservar o exercício dos direitos políticos que correspondem à nossa organização política até conseguirmos registrar nossa candidatura unitária”, informou a Plataforma Democrática Unitária (PUD) no X, o antigo Twitter.
A coligação de partidos com maior força na oposição venezuelana indicou que a decisão simboliza a “continuidade da luta […] para garantir o registro da referida candidatura e permanecer dentro da via eleitoral”.
Inicialmente, o PUD denunciou que não conseguiu registar a candidatura da historiadora Corina Yoris para as eleições marcadas para 28 de julho.
Yoris tornou-se o principal rosto da oposição ao presidente Nicolás Maduro depois que a líder María Corina Machado ofereceu a candidatura para ela.
“O acesso ao sistema de registro [de candidaturas] nunca foi permitido”, observou a coligação política.
Em 2023, Machado venceu as primárias organizadas pelas forças da oposição na escolha do candidato que desafiará o atual presidente da Venezuela.
Contudo, ela não pode oficializar a candidatura no CNE por causa de uma medida que a impedia de exercer cargos públicos, segundo decisão da Controladoria-Geral da República da Venezuela.
“É assim que o fraco regime se recusa a medir-se contra uma acadêmica de 80 anos”, discursou Machado na terça-feira (26/3), durante uma conferência de imprensa.
O calendário eleitoral venezuelano estabelece que os candidatos podem ser substituídos até dez dias antes das eleições.
Caso a substituição ocorra entre 1º e 20 de abril, o novo candidato aparecerá nos cartões que são utilizados durante a votação.
Porém, se a substituição for decidida entre 28 de abril e 18 de julho, o candidato originalmente indicado aparecerá na ficha.
A candidatura de Yoris
As pesquisas mostraram que, num contexto eleitoral aberto, Machado poderia derrotar Maduro.
Mas, dada a impugnação da candidatura dela, o PUD escolheu Yoris como líder da chapa. A historiadora nunca tinha participado da política antes.
“Esgotamos todos os meios disponíveis para que isso possa ser resolvido”, disse Yoris em conferência de imprensa.
“Desde quinta-feira, dia 21 de março, às 6 horas [quando foi aberto o processo de registro] temos tentado sistematicamente acessar o sistema e não foi possível”, informou a PUD em postagens feitas no X.
A oposição solicitou que o prazo para inscrição de candidatos fosse prorrogado por três dias, algo que já foi feito em outras ocasiões.
No entanto, o presidente do CNE, Elvis Amoroso, disse que o período se encerraria na segunda-feira (25/3), às 23h59 no horário local.
Por fim, o órgão eleitoral autorizou na terça-feira (26/3) a prorrogação do prazo por mais 12 horas — e Amoroso confirmou a inscrição de González Urrutia como candidato da PUD.
O presidente do CNE informou que há 13 candidatos que se inscreveram para participar das eleições, bem como 37 organizações com fins políticos que vão acompanhar os candidatos durante toda a campanha.
‘Até o fim’
Em declarações à imprensa durante a terça-feira (26/3), Machado disse que a força com a qual a oposição conseguiu “ligar todos os cantos da Venezuela” é “grande e imparável”.
“Aqui ninguém desiste até alcançar a liberdade”, disse ela.
Machado explicou que nas últimas horas sua equipe recebeu mais ameaças e que a “repressão aumentou brutalmente”.
Só na última semana, foram emitidos mandados de prisão contra o seu chefe de campanha e outros oito membros da equipe, acusados de participar de uma conspiração para derrubar Maduro.
“O objetivo era me quebrar, mas não vamos parar. Aqui continuaremos a lutar, até o fim. E até ao fim significa eleições limpas e livres”, acrescentou ela.
O governo argentino informou que acolheu na embaixada de Caracas um grupo de líderes da oposição, que solicitaram asilo diplomático em meio a perseguições por parte das autoridades venezuelanas.
Por meio de um comunicado, o governo do presidente Javier Milei lembrou ao governo Maduro a “inviolabilidade” da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, referindo-se à “interrupção do fornecimento de energia elétrica à residência oficial argentina em Caracas”.
13 candidatos, poucas opções
Ao final do prazo dado pelo CNE, foram apresentadas 13 candidaturas que, com exceção da de Maduro, vêm de partidos e coligações com pouco peso eleitoral.
Fora do PUD, o governador do estado de Zulia, Manuel Rosales, registrou uma candidatura, apesar de a Constituição venezuelana proibir expressamente a eleição de um candidato que ocupasse o cargo de governador no momento da nomeação.
Rosales também concorreu contra o falecido ex-presidente Hugo Chávez nas eleições de 2006.
Machado evitou referir-se à candidatura de Rosales e reiterou em diversas ocasiões, quando questionada por jornalistas, que a candidata da PUD era Yoris — embora não tenha especificado que caminho tomarão agora, uma vez que a participação da professora nas eleições foi dificultada.
Amoroso disse que o CNE vai analisar minuciosamente a documentação para verificar se os candidatos inscritos cumprem ou não todos os requisitos.
Além de Rosales, há outros candidatos que se autodenominam adversários de Maduro, mas estão fora da PUD.
Dois dos nomes que integram essa lista são Javier Bertucci, candidato em 2018, e Benjamín Rausseo, comediante mais conhecido por seu personagem “o conde de Guácharo”.
Enrique Márquez, antigo presidente do CNE, também se inscreveu no Centrados, um partido político que foi inicialmente rejeitado pelo CNE atual, mas foi readmitido na segunda-feira (25/3).
Em declarações à imprensa, Márquez indicou que se apresentava como candidato independente e que não concordava em nada com a PUD.
Márquez também foi vice-presidente executivo do Un Nuevo Tiempo, um partido de oposição, até ser destituído e suspenso em 2018 por apoiar as eleições presidenciais daquele ano.
Ainda não se sabe se a PUD apoiará a candidatura dele diante da impossibilidade de registro de Yoris.
“A realidade é que aquilo que alertamos durante muitos meses acabou acontecendo. O regime escolheu os seus candidatos”, discursou Machado.
Por sua vez, Yoris sustentou que o governo, por meio do CNE, deixa o país sem escolha.
“Não são apenas os direitos de Corina Yoris que estão sendo violados, mas também os direitos dos partidos políticos de oferecer uma candidatura que represente essa unidade, e o direito dos venezuelanos de nomear e eleger o candidato que desejam”, declarou a professora universitária.
Yoris, uma acadêmica de 80 anos, é relativamente desconhecida até mesmo entre os círculos de oposição.
O fato de ela ser uma recém-chegada na política foi visto como uma vantagem pela coligação, que argumentou que isso tornava mais difícil para os oponentes desacreditá-la.
‘Eleições com ou sem você’
Maduro apresentou na segunda-feira (25/3) a sua candidatura pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e indicou que, no dia 28 de julho, “haverá eleições com ou sem a direita”.
Segundo ele, a oposição tem “fantoches”.
“Eles são arrastados diante do imperialismo e têm ambições pessoais, com o objetivo de entregar o país às garras do império norte-americano. Eles são a desesperança, o nada, o passado fracassado”, afirmou o atual presidente.
Segundo Maduro, cinco milhões de chavistas manifestaram a vontade de indicar o nome dele para continuar no cargo.
Maduro está no poder desde 2013.
No mês passado, ele disse a seus seguidores que “vamos vencer por bem ou por mal” e “vamos vencer sempre”.
Comunidade internacional endurece tom
A impossibilidade de a PUD registrar a candidatura de Yoris para estas eleições causou espanto dentro e fora da Venezuela.
São vários os países que rejeitaram a decisão, entre eles os governos de Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru e Uruguai, que manifestaram “séria preocupação” com os “obstáculos persistentes” no registro de candidatos para as eleições venezuelanas.
“Essas restrições impedem o avanço em direção a eleições que permitam um processo de democratização na irmã Venezuela”, diz um texto do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai, com o aval dos demais governos.
Também na terça-feira (26/3), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) endureceu o tom com o governo venezuelano de Nicolás Maduro, tradicional aliado das gestões petistas.
Uma nota divulgada pelo Itamaraty manifestou preocupação com o andamento das eleições marcadas para julho no país vizinho, diante do impedimento do registro da candidatura de Yoris.
O comunicado do Itamaraty foi visto como uma mudança importante de tom, segundo especialistas em política externa ouvidos pela BBC News Brasil, já que o governo Lula vinha evitando declarações públicas de críticas a Maduro, mantendo pressões por eleições livres apenas nos bastidores.
A manifestação do Itamaraty diz que “o governo brasileiro acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral naquele país”.
Sem citar diretamente Corina Yoris, a nota enfatiza que uma candidata de oposição não conseguiu se registrar para disputar o pleito presidencial, em desacordo com os acordos de Barbados, em que o governo venezuelano garantiu, em outubro passado, um calendário para as eleições de 2024, inclusive com participação e observação de órgãos internacionais.
O acordo foi mediado com a oposição venezuelana pelo Brasil e outros países.
“O Brasil está pronto para, em conjunto com outros membros da comunidade internacional, cooperar para que o pleito anunciado para 28 de julho constitua um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil”, continuou a nota do Itamaraty.
“O Brasil reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo”, diz ainda o documento, finalizando, assim, com uma manifestação que agrada ao governo Maduro.
O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela respondeu à nota do Itamaraty também em um tom duro, afirmando que o texto brasileiro é fruto de “ignorância”.
“O Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores da República Bolivariana da Venezuela repudia o comunicado cinzento e intervencionista redigido por funcionários da chancelaria brasileira, que parece ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, no qual são emitidos comentários carregados de profundo desconhecimento e ignorância sobre a realidade política na Venezuela”, afirmou uma nota de resposta publicada pelo chanceler venezuelano, Yvan Gil.
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: GETTY IMAGES