Cristina J. Orgaz @cjorgaz
BBC News Mundo
No final de setembro de 2022, o Japão estava às voltas com uma cifra que provocaria calafrios em qualquer outro país do mundo — mas que continuará aumentando no futuro.
A dívida pública japonesa atingiu US$ 9,2 bilhões (cerca de R$ 47,7 bilhões). O valor corresponde a 266% do PIB do país — o percentual mais alto entre as principais economias do mundo.
Comparativamente, a dívida dos Estados Unidos, no mesmo período, ficou em US$ 31 bilhões (cerca de R$ 160,9 bilhões).
Mas, devido ao seu tamanho como maior potência global, este valor equivale a 98% do PIB americano.
O motivo da enorme dívida japonesa é o fato de que o país vem ampliando os gastos internos há décadas, para manter sua economia em funcionamento.
Seus cidadãos e empresas desempenham papel fundamental no crescimento econômico, mas são extremamente reticentes na hora de consumir. Por isso, o Estado se vê frequentemente obrigado a gastar por eles.
“A poupança privada é enorme e os investimentos são poucos, o que leva a uma fragilidade crônica da demanda”, segundo Takeshi Tashiro, principal pesquisador não residente do Instituto Peterson de Economia Internacional, nos Estados Unidos. “Isso, por sua vez, exige estímulos do governo.”
“Uma das causas deste problema é a demografia do Japão. Sua população é muito longeva”, o que aumenta os custos de assistência médica e previdência social do Estado, explica ele. E também faz com que os aposentados tenham muita insegurança sobre o futuro e prefiram seguir economizando.
“Estima-se que o envelhecimento da população que sustenta esta situação ainda persista por muito tempo”, acrescenta Tashiro.
Mas, apesar dessa grande dívida pública, os investidores internacionais continuam confiando no país e, todos os anos, emprestam dinheiro ao Japão comprando a sua dívida.
Como funciona?
A dívida pública japonesa começou a disparar no início da década de 1990, quando sua bolha financeira e imobiliária explodiu, com efeitos desastrosos.
Em 1991, a dívida representava apenas 39% do PIB. Mas, a partir dali, a taxa de crescimento da economia começou a cair drasticamente, reduzindo a receita do Estado, enquanto as circunstâncias obrigavam o governo a aumentar seus gastos.
Na década de 2000, a dívida estatal já superava 100% do PIB e, em 2010, havia dobrado mais uma vez.
O Japão, terceira maior economia do mundo, manteve o caminho dos estímulos que, só nas últimas décadas, foram ampliados por eventos como a grande recessão de 2008, o terremoto seguido por tsunami em 2011 e, mais recentemente, a pandemia de covid em 2020-2021.
Como financiar os gastos
Para amortecer o impacto desses eventos e manter o orçamento anual de educação, saúde e defesa, o Japão, como quase todos os países do mundo, vende títulos que financiam seus gastos. Ou seja, o país oferece sua dívida aos mercados internacionais, com o compromisso de devolvê-la integralmente aos investidores, com juros.
Os investidores então emprestam seu dinheiro, principalmente os mais conservadores, já que esses títulos são considerados um local seguro para colocar o dinheiro.
“Além da rentabilidade oferecida, os títulos dos países desenvolvidos têm alta liquidez e podem ser facilmente utilizados como garantia para empréstimos”, explica Tashiro.
Mas, com níveis de dívida equivalentes a cerca de duas vezes e meia o tamanho da sua economia, fica fácil imaginar que o governo japonês teria dificuldades para pagar esse montante gigantesco.
Especialistas indicam que o motivo que levou o Japão a manter sua dívida sustentável ao longo do tempo, sem cair em moratória, é que o país conseguiu manter a rentabilidade dos títulos do governo em taxas muito baixas, pagando pouco aos investidores, com alto nível de confiança do mercado.
“Existem investidores que preferem a estabilidade sobre a rentabilidade e, por isso, optam por investir sua poupança acumulada no Japão”, explicou o economista Shigeto Nagai à agência de notícias AFP.
Juros baixos
“O Japão manteve taxas de juros extremamente baixas. O nível da dívida é muito alto, mas o governo paga relativamente poucos juros aos seus credores. E pode manter a dívida alta indefinidamente”, afirma Ken Kuttner, professor de economia da Universidade Williams College de Massachusetts, nos Estados Unidos.
Outro motivo é o fato de que a maior parte da dívida do Japão não é definida em moeda estrangeira, mas sim em ienes, sua moeda local. Isso faz com que seu banco central fique menos exposto às turbulências dos mercados internacionais.
De fato, 90% da dívida estão nas mãos de investidores japoneses.
“Não existe muita dívida japonesa nas mãos de estrangeiros”, afirma Kuttner. “Eram cerca de 8%, na última vez em que verifiquei. A maior parte está nas mãos de instituições financeiras japonesas e do Banco do Japão.”
Com isso, é possível “essencialmente monetizar o déficit do governo”, segundo ele. Ou seja, o governo japonês vende títulos, mas eles são comprados pelo seu próprio banco central.
“Segundo a política ‘QE’ [de estímulos], o Banco do Japão vem comprando grandes montantes da dívida pública para manter baixas taxas de juros a longo prazo, o que se acredita poder ajudar a estimular a economia”, explica o professor.
“Consequentemente, o governo não precisa encontrar compradores no setor privado para toda a dívida emitida e os juros baixos pagos pela dívida retornam para o governo. Isso é essencialmente monetizar o déficit do governo, que normalmente causa alta inflação; mas, surpreendentemente, isso não aconteceu no Japão”, conclui Kuttner.
É por isso que, enquanto os juros não param de subir no restante do mundo, eles se mantêm baixos no Japão.
“Isso se deve basicamente à mentalidade de deflação, ainda arraigada entre os lares e as empresas privadas, e ao alto grau de coordenação política entre o governo e o Banco do Japão”, segundo explica David Kohl, economista-chefe da empresa de investimentos suíça Julius Baer.
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: GETTY IMAGES