A visita a Taiwan da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, pode ter dado início à quarta grande crise no estreito de Taiwan?
A viagem de Pelosi à ilha que a China considera parte do seu território, uma província “rebelde”, aumentou a tensão entre Washington e Pequim até níveis que não eram vistos há décadas.
O desafio de Pelosi para demonstrar “o compromisso inabalável dos Estados Unidos de apoiar a vibrante democracia de Taiwan” foi recebido com manobras militares chinesas no mar que rodeia a ilha, que incluem a previsão de navegar nas próprias águas territoriais taiwanesas.
Em um contexto internacional de alta tensão, muitos receiam que os dois países tenham iniciado um caminho que pode levar a uma crise diplomática, política e até militar, como já aconteceu no passado.
Mas quais foram as outras três grandes crises enfrentadas pelos Estados Unidos e pela China por conta de Taiwan?
Primeira crise do estreito de Taiwan (1954-1955)
A primeira crise ocorreu logo depois da Guerra da Coreia (1950-1953), quando os Estados Unidos consideravam que o estreito de Taiwan, que separa a China continental da ilha — então chamado de “estreito de Formosa” – deveria permanecer neutro.
Chiang Kai-shek havia fugido do continente para Taiwan em 1949, depois que o seu grupo, formado pelos nacionalistas do Kuomintang, perdeu a Guerra Civil Chinesa (1927-1937 e 1946-1949) contra os comunistas liderados por Mao Zedong.
Em agosto de 1954, decidido a reconquistar o território continental, o Kuomintang destacou tropas para as pequenas ilhas de Quemoy e Matsu — muito próximas do litoral do continente.
A resposta da China continental (a República Popular da China, comunista) foi bombardeá-las intensamente. O conflito estendeu-se para outros arquipélagos também controlados pela China nacionalista (a República da China, em Taiwan), causando a morte de dois cidadãos norte-americanos.
Ante o temor de que os comunistas acabassem tomando Taiwan e consolidando sua influência na Ásia, Washington assinou com a ilha, em dezembro de 1954, o Tratado de Defesa Mútua entre os Estados Unidos e a República da China.
As hostilidades somente cessaram quando os Estados Unidos anunciaram publicamente sua disposição de utilizar armas nucleares contra a República Popular da China para defender Taiwan. A União Soviética apoiava Pequim, mas não deu sinais de querer restabelecer o equilíbrio nuclear ante as ameaças.
As partes acabaram negociando, mas o conflito ficou latente. Tanto a China comunista quanto Taiwan usaram os três anos seguintes para reforçar seus armamentos. E, com a ameaça nuclear, Pequim iniciou seu próprio programa nuclear em 1955.
Segunda crise (1958)
Mao Zedong retomou os bombardeios de Quemoy e Matsu em 1958, com a intenção de expulsar dali as tropas nacionalistas e retomar o controle das ilhas.
Isso reativou o conflito e o então presidente norte-americano, Dwight Eisenhower, pressentiu que, se os comunistas tomassem aqueles pequenos arquipélagos, poderiam acabar invadindo Taiwan. Eisenhower então decidiu apoiar e reforçar as tropas taiwanesas.
Os Estados Unidos responderam ao pedido de ajuda enviado pela República da China, segundo o acordo de defesa mútua assinado em 1954. A Sétima Frota da marinha norte-americana, sediada no Japão, foi reforçada e seus navios ajudaram o governo nacionalista a proteger as linhas de abastecimento das ilhas.
Diversos esquadrões da força aérea norte-americana também se estabeleceram em Taiwan.
A ameaça nuclear voltou a pairar sobre o conflito e a República Popular da China interrompeu os bombardeios.
Por fim, as duas partes chegaram a um acordo muito curioso. Comunistas e nacionalistas se bombardeariam em dias alternados — um pacto que evitava a escalada do conflito. Muitas vezes, eles lançavam apenas folhetos de propaganda.
Esta situação prolongou-se até 1979, quando os Estados Unidos reconheceram a República Popular da China e estabeleceram relações diplomáticas com o governo de Pequim.
No mesmo ano, o Congresso norte-americano também aprovou a Lei de Relações com Taiwan, que está em vigor até hoje. Segundo essa lei, Washington compromete-se a fornecer ao governo da ilha as ferramentas necessárias para defender-se em caso de ataque.
A Lei de Relações com Taiwan permitiu cultivar por anos uma “ambiguidade estratégica” para dissuadir Pequim de anexar o território e impedir Taiwan de declarar sua independência unilateral.
Terceira crise (1995-1996)
A última grande crise ocorreu em 1995, com a visita do então presidente taiwanês Lee Teng-hui à Universidade Cornell, em Nova York (Estados Unidos), onde ele havia estudado.
A China considerou essa visita uma traição norte-americana ao seu compromisso de respeitar o conceito de “uma só China”. Este conceito estabelece que os países só podem estabelecer relações diplomáticas com Pequim e não com a “província rebelde” (segundo considera a China continental) de Taiwan — o mesmo argumento utilizado agora com a visita de Nancy Pelosi.
O gigante asiático respondeu na época com meses de exercícios militares, lançando baterias de mísseis sobre as águas taiwanesas e até ensaiando uma invasão da ilha com meios anfíbios.
Já os Estados Unidos responderam com o maior deslocamento de forças militares na Ásia desde a Guerra do Vietnã. Navios de guerra norte-americanos chegaram a transitar pelo estreito de Taiwan.
No ano seguinte, nos dias anteriores à eleição presidencial taiwanesa de 1996, Pequim tentou amedrontar o eleitorado de Taiwan para que se abstivesse de votar em Lee Teng-hui, disparando outra rodada de mísseis.
Mas a estratégia não funcionou. Lee venceu com 54% dos votos — mas as duas potências estiveram muito próximas de um conflito militar.
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: GETTY IMAGES