Após a queda global dos mercados na segunda-feira (5/8), as bolsas ensaiaram uma recuperação nesta terça-feira (6/8).
A bolsa de Tóquio, que despencou 12% na segunda-feira (5/8), no pior resultado em 37 anos, registrou alta de 10%, com o iene, a moeda japonesa, se estabilizando em relação ao dólar.
A maioria das bolsas asiáticas também subiu, revertendo as perdas do dia anterior.
Na Europa, as ações apresentaram oscilações, enquanto nos Estados Unidos, os índices Nasdaq, S&P 500 e Dow Jones iniciaram o dia com leves altas, assim como o Ibovespa, no Brasil.
Veja a seguir por que as bolsas caíram no início da semana e quais são as perspectivas para o Brasil.
‘Pânico generalizado’
A queda nos mercados foi impulsionada por temores de que o Fed, o banco central americano, tenha demorado a reagir a sinais de desaceleração da economia dos EUA.
Esses temores foram agravados na sexta-feira (2/8) por dados de emprego mais fracos do que o esperado.
O mercado japonês foi o mais afetado, com queda de 12%, após um aumento inesperado da taxa de juros pelo Banco Central do Japão.
Nos Estados Unidos, os índices Nasdaq (-3,43%), S&P 500 (3%) e Dow Jones (-2,6%) também registraram quedas.
Já a bolsa brasileira fechou o pregão com queda de 0,46%, após chegar a cair mais de 2% na mínima do dia, e o dólar fechou em alta de 0,53%, a R$ 5,74, após chegar a R$ 5,86 na máxima da segunda-feira.
Também contribuíram para o pânico generalizado os sinais de que o longo boom do consumo americano pode ter acabado.
As ações dos EUA e da Europa recuperaram parte de suas perdas mais tarde no dia, após dados encorajadores sobre os serviços nos EUA aliviarem alguns temores de recessão.
O Fed manteve as taxas de juros inalteradas na semana passada, mas a forte reação do mercado aos dados de emprego sugere que os investidores acreditam que o banco central americano pode ter errado ao não anunciar uma redução.
Nos últimos anos, bancos centrais de todo o mundo subiram suas taxas de juros, para conter a alta inflacionária que resultou de grandes choques como a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia.
Quando os juros sobem, fica mais caro para famílias e empresas pegarem empréstimos, o que funciona como um freio para consumo e investimentos, desacelerando a economia e a inflação.
O oposto ocorre quando os juros caem.
“É isso que está acontecendo: os mercados tensos, as taxas de juros caindo, as bolsas caindo, tudo em reação à perspectiva de uma desaceleração econômica mais forte [nos EUA]”, diz Flávio Serrano, economista-chefe do Banco BMG.
“E a percepção de risco maior faz com que as moedas, principalmente em países emergentes, sofram um pouco”, acrescenta.
Agora, os mercados estão apostando em cortes de 1,25 ponto percentual até o final do ano, além de um possível corte emergencial antes da próxima reunião do Fed em setembro.
As preocupações não estão restritas aos EUA.
Dados da China e da zona do euro indicam recuperações vacilantes, especialmente no setor industrial, enquanto tensões geopolíticas, como a retórica agressiva entre Israel e Irã, aumentaram o nervosismo dos mercados.
Pior já passou no Japão?
Muitos analistas acreditam que, em termos de pânico na bolsa, o pior já passou.
A incerteza persiste quanto à possibilidade de novos aumentos de taxas de juros pelo Banco do Japão e cortes pelo Fed.
Eles dizem que a liquidação global de segunda-feira foi intensificada pela reversão do carry trade com o iene.
“A liquidação foi instigada pela forte valorização do [iene] à medida que os investidores globais se tornaram cautelosos com os lucros corporativos japoneses, especialmente os de exportadores como montadoras”, diz Kei Okamura, gerente de portfólio baseado em Tóquio na empresa de investimentos Neuberger Berman.
Carry trade é estratégia por meio da qual investidores tomam empréstimos em uma moeda com uma taxa de juros baixa, como o iene, para investir em moedas com uma taxa de juros mais alta.
Sendo assim, a diferença entre o custo do empréstimo e o rendimento do investimento é o lucro potencial do carry trade.
Essa estratégia pode ser arriscada devido à exposição à variação cambial.
Se a moeda do empréstimo (iene) valorizar em relação à moeda do investimento, as perdas podem superar os ganhos.
Recentemente, o Banco do Japão aumentou sua taxa de juros e indicou futuros aumentos, elevando o custo do financiamento em ienes.
Os dados mais fracos de emprego nos EUA aumentaram a pressão sobre o carry trade, resultando na valorização do iene — que se fortaleceu mais de 10% em relação ao dólar americano no último mês.
Essa valorização prejudica as exportações japonesas, reduzindo os lucros das empresas exportadoras, o que levou à queda da bolsa japonesa.
A inflação no Japão aumentou mais do que o esperado em junho, enquanto a economia encolheu nos primeiros três meses do ano devido a um iene mais fraco e aos gastos familiares pobres.
O economista André Perfeito diz que a alta de juros do Banco do Japão foi “apenas a desculpa que o mercado precisava para realizar (lucros)”.
“Mesmo com a queda de ontem e a alta de hoje, o Nikkei acumula nada menos que 60% de alta em 5 anos”, destaca.
Ele acrescenta: “Esta crise japonesa, que não existiu, terá um efeito interessante. Irá forçar, por bem ou por mal, uma queda dos juros nos EUA, e uma vez que os juros caírem, os pessimistas de hoje serão os otimistas de amanhã.”
E o Brasil com isso?
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, essa piora do cenário externo preocupa, num momento em que o Brasil também lida com turbulências internas, principalmente devido às preocupações quanto ao equilíbrio das contas públicas do governo federal.
“Isso deveria significar para o governo olhar para o fiscal com mais atenção ainda, para evitar que o país seja contaminado com intensidade por uma possível recessão nos Estados Unidos”, diz Vale.
Ele lembra que isso aconteceu em 2008 e 2009, quando houve a última grande recessão americana.
Naquele momento, o Brasil estava em ótimas condições, avalia Vale, o que permitiu ao país ter apenas uma recessão curta, seguida por uma recuperação rápida.
“Agora é diferente, temos um cenário fiscal muito pior do que em 2008, com dificuldade de melhorar isso nos próximos anos, o que significa que tendemos a sentir com bastante intensidade a volatilidade [externa]”, observa o economista.
Um possível repercussão disso seria o dólar se manter pressionado por mais tempo, o que pode vir a afetar a inflação.
Um real desvalorizado por um período longo afeta os preços de bens importados – como componentes utilizados pela indústria, por exemplo – mas também de produtos cujos preços são balizados por cotações internacionais, como os combustíveis.
Os preços dos alimentos também podem ser afetados, já que um real desvalorizado favorece as exportações, reduzindo a oferta interna das commodities exportadas.
“Esse é o grande receio que se tem hoje: quanto mais tempo o câmbio fica nesse patamar elevado, maior a pressão em inflação, mais trabalho o Banco Central vai ter em relação à taxa de juros e, lá na frente, tudo isso que está acontecendo pode significar crescimento mais baixo.”
Assim, após dois anos de crescimento acima de 2% em 2023 e 2024, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha para uma segunda metade de mandato com altas do PIB abaixo desse patamar em 2025 e 2026, projeta o economista-chefe da MB Associados.
Cenários para Selic e dólar
Diante deste cenário, economistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o mais provável é o Banco Central brasileiro optar por “jogar parado”.
Isto é, manter a Selic no patamar atual de 10,5% até o final deste ano.
Isso porque a combinação de uma maior percepção de risco no mundo, junto à incerteza fiscal no Brasil, além das incertezas relacionadas à eleição americana e à transição na presidência do próprio Banco Central aqui no Brasil não devem dar espaço para o BC reduzir juros, mesmo num cenário de cortes pelo Fed, avalia Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia na Tendências Consultoria.
Os economistas divergem, no entanto, quanto ao que pode acontecer em 2025.
Serrano, do BMG, acredita que o BC pode retomar os cortes da Selic já em março do próximo ano, levando a taxa a 9,5% ao final de 2025.
Já Ribeiro, da Tendências, passou a apostar em uma taxa básica de juros estável em 10,5% até o final do próximo ano — isso devido à questão fiscal no mercado interno e à aposta da casa no favoritismo de Donald Trump nas eleições americanas.
Na visão da economista, a agenda econômica do republicano — que inclui cortes de impostos para empresas e famílias americanas, o que aceleraria a economia dos EUA, mas pioraria a situação fiscal por lá — pode limitar uma queda do dólar no médio prazo, mantendo a pressão sobre a inflação por aqui.
Mais pessimista, Vale, da MB Associados, já vislumbra até a possibilidade de o BC ter de voltar a subir a Selic em algum momento.
Isso só mudaria, na visão do economista, se acontecer uma recessão forte nos EUA, que afete também o Brasil, o que então abriria espaço para o BC baixar os juros.
“Para o Brasil, há um cenário muito difícil à frente, que deve significar juros a 10,5% por mais tempo e um câmbio que deve permanecer pressionado pela questão fiscal e os riscos externos nos EUA e no Oriente Médio, onde pode haver uma escalada no conflito com Israel”, diz Vale.
O economista não descarta que o câmbio chegue a bater em R$ 6 em algum momento deste semestre, embora ele acredite que a taxa deva fechar o ano num patamar mais próximo a R$ 5,40.
No boletim Focus, do Banco Central, a mediana das projeções dos economistas aponta para uma Selic a 10,5% no fim deste ano e 9,75% em 2025, e um dólar no patamar de R$ 5,30 para ambos os anos.
Com reportagem de João da Silva, repórter de negócios da BBC, e Thais Carrança, da BBC News Brasil em São Paulo
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: Getty Images