Leandro Prazeres
Da BBC News Brasil em Brasília
O governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não começou de fato, mas boa parte da sua equipe de articuladores e negociadores políticos está gastando os últimos dias para aprovar a chamada PEC da Transição.
Este é o apelido da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o novo governo quer aprovar ainda neste ano para garantir, entre outras coisas, a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023. Estimativas apontam que isso pode custar R$ 175 bilhões por ano.
A PEC é considerada importante para o próximo governo porque o orçamento de 2023 foi entregue pela equipe do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), e não prevê o pagamento de R$ 600 do auxílio.
Como o valor foi uma promessa de Lula (e também de Bolsonaro) ao longo da corrida eleitoral, a equipe do petista se mobilizou para encontrar formas de cumprir a promessa.
Mas o que é exatamente essa PEC? Por que o novo governo quer emendar a Constituição antes mesmo de assumir o comando do país? E quais os impactos dessa medida para as contas públicas?
A BBC News Brasil conversou com economistas para responder a quatro pontos sobre a PEC da Transição. Confira:
O que é a PEC da Transição?
A PEC da Transição é o apelido dado a uma proposta de emenda à Constituição que está sendo negociada por membros do novo governo com o Congresso Nacional.
O texto ainda não foi apresentado formalmente ao Parlamento. Isso deve ocorrer apenas na quinta-feira (17/11), mas líderes do novo governo têm dito que ela prevê uma mudança na Constituição para que as despesas com o Auxílio Brasil possam ficar fora da regra do teto de gastos.
O teto de gastos foi aprovado em 2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer (MDB). Ela prevê que as despesas do governo só podem aumentar com base na correção pela inflação calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Segundo políticos como o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), um dos principais articuladores da PEC da Transição, se a medida for aprovada, os gastos com o Auxílio Brasil ficariam de fora da regra do teto, o que daria à gestão Lula a possibilidade de aumentar os gastos no pagamento do benefício e chegar ao valor de R$ 600.
Como esse dinheiro vai ser usado?
Em entrevista à CNN Brasil nesta segunda-feira (14/11), o senador Dias afirmou que o dinheiro previsto pela PEC seria gasto com o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um bônus de R$ 150 por criança com até seis anos de idade nas famílias que recebem o benefício.
“A proposta apresentada é um valor relativo ao necessário ao auxílio emergencial […] São R$ 157 bilhões e mais R$ 18 bilhões para o auxílio de R$ 150 por criança”, disse o senador.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, disse à BBC News Brasil que a PEC da Transição também permite ao novo governo ampliar seus gastos em outras áreas consideradas importantes.
Isso aconteceria porque, ao tirar os gastos do Auxílio Brasil daqueles sujeitos ao teto, abriria-se uma margem de R$ 105 bilhões (valor estimado do Auxílio Brasil de R$ 405) já previstos no orçamento enviado pelo governo Bolsonaro para o governo Lula gastar com outros programas.
“Ainda não estão claras em quais áreas o governo vai querer gastar esse dinheiro, mas há sinalizações de que o governo queira gastar em programas como o Farmácia Popular, saúde indígena, retomada de obras e políticas de habitação”, disse Couri.
Por que fora do teto?
A tentativa de aprovar a PEC da Transição acontece, entre outros motivos, porque a proposta de orçamento enviada pelo governo Bolsonaro para o ano de 2023 não previa os valores suficientes para o pagamento de R$ 600 por família que recebe o benefício.
“O orçamento enviado previa em torno de R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil, que era referente ao valor de R$ 405 por benefício. Apesar de o auxílio de R$ 600 também ter sido uma promessa de campanha de Bolsonaro, esse valor não constava no orçamento”, disse Daniel Couri.
“Mesmo que o vencedor das eleições fosse o Bolsonaro, nós teríamos que estar discutindo uma PEC como essa para garantir o pagamento do Auxílio Brasil no patamar que foi prometido”, diz Carla Beni, economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ao longo dos primeiros dias da transição entre governos, houve dúvidas sobre se a PEC seria o melhor mecanismo jurídico para executar essa operação orçamentária.
A dúvida existiu porque, para entrar em vigor, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos pela Câmara e pelo Senado com três quintos dos votos nas duas Casas.
Outra possibilidade estudada foi a edição de uma Medida Provisória logo no início do novo governo Lula abrindo um crédito extraordinário no orçamento para o complemento do benefício.
Nos últimos dias, porém, a ideia perdeu força diante do risco de que a medida pudesse ser questionada judicialmente e dar margem para acusações de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O entendimento da equipe econômica e política de Lula é de que a PEC, apesar de mais trabalhosa do ponto de vista político, ofereceria maior segurança jurídica ao novo governo.
Quais os riscos?
Na avaliação da professora Carla Beni, o principal risco em torno da PEC da Transição está relacionado à incerteza sobre como essa expansão de gastos será paga. Segundo ela, o novo governo ainda não deixou claro quais os planos para reequilibrar as contas públicas.
“O governo ainda não disse como é que vai ser feito o financiamento dessa dívida. Não está claro de onde sairá o dinheiro para pagar essas despesas. Não se sabe, por exemplo, se vai ser a partir de uma nova reforma tributária, se vamos cortar desonerações que podem aumentar a arrecadação de impostos”, disse à BBC News Brasil.
Outro ponto de incerteza em relação à PEC é com relação à duração do tempo em que os gastos com o Auxílio Brasil ficariam de fora do teto. Inicialmente, a proposta previa que essas despesas de R$ 175 bilhões fora do limite valeriam apenas para o ano de 2023. Agora, há sugestões para que ela valha pelos quatro do novo mandato de Lula.
Carla Beni diz que se a medida valer apenas por um ano, os riscos para a deterioração das contas públicas não seriam grandes. Ela pontua, no entanto, que se a proposta aprovada valer para quatro anos, o risco de impactos negativos nas finanças da União é grande.
“Se valer por um ano, não acho que há grandes riscos. Mas se for valer por quatro anos e se o governo não fizer uma recomposição das suas receitas revendo desonerações, apontando novas fontes de arrecadação, aí isso pode afetar, sim, o nosso grau de endividamento”, afirmou a professora.
Daniel Couri, do IFI, segue a mesma linha de Carla Beni. Segundo ele, a tensão demonstrada pelo mercado em relação à condução da PEC da Transição é resultado das dúvidas sobre como o governo pretende pagar a conta.
“A tensão do mercado não está tão relacionada ao Bolsa Família [antigo nome do Auxílio Brasil] porque ambos os candidatos prometeram aumentá-lo para 2023. A tensão e a preocupação passam mais pelo tamanho do aumento de gastos e pela incerteza sobre como financiar isso nos próximos anos”, disse Couri.
Couri e Carla Beni afirmam que se o governo não reequilibrar as contas nos próximos anos, os benefícios desejados pela equipe de Lula às populações mais pobres poderão ser reduzidos.
“Se não houver uma recomposição das receitas, o governo vai ter que emitir títulos da dívida para se financiar. Isso coloca o governo em uma situação frágil em caso de algum choque externo, por exemplo. Numa crise, essa fragilidade nas contas públicas pode, inclusive, comprometer os avanços que se quer junto aos mais pobres”, disse Couri.
À CNN Brasil, Wellington Dias tentou tranquilizar o mercado.
“Nós queremos trabalhar com muita responsabilidade fiscal. A responsabilidade fiscal já foi praticada pelo presidente eleito […] A essência é o cumprir com a responsabilidade […] (durante o governo Lula) o Brasil teve o maior grau de cumprimento de regras fiscais da história e isto nós, novamente, vamos buscar”, disse.
Fonte: BBC News | Brasil
Fotografia: GETTY IMAGES