Pedro Jorge Ramos Vianna
Prof.Titular da UFC. Aposentado
Dado que o Governo Federal está em luta para reformular a Previdência Social no Brasil, talvez seja importante sabermos o que é esta tal de previdência social neste País.
Vamos começar analisando o vocábulo “previdência”.
O vocábulo “previdência” é derivado da palavra latina “praevidentia” que designa a faculdade de prever acontecimentos e de se precaver.
Neste sentido a “previdência social” deve ter como meta prover recursos para precaver o cidadão de situações futuras danosas à sua condição de vida.
Assim, seu objetivo maior é o instituto da aposentadoria para prover o cidadão de renda quando ele não mais pode lutar pelo seu sustento.
É para isso, então, que o cidadão comum paga ao estado para ter este direito no ocaso de sua vida.
Mas a tal previdência social no Brasil oferece os seguintes benefícios:
- Aposentadoria
- Pensão por morte
- Auxílio-doença
- Auxílio-reclusão
- Auxílio-acidente
- Auxílio-funeral
- Salário-maternidade
- Salário-família
Todos esses benefícios são realmente os que querem aqueles que pagam o INSS, por exemplo?
Quando se paga a “contribuição previdenciária”, o cidadão comum está pensando que deve se precaver caso vá para a prisão?
Por que obrigar aos contribuintes a pagar pela previsão de benefícios como; auxílio-reclusão; auxílio-funeral; salário-maternidade e salário-família?
Mas o Governo e os políticos querem ser “bonzinhos” e ofertam benefícios com o dinheiro que não é deles.
Talvez seja interessante sabermos desde quando se tem a “previdência social” no Brasil.
De acordo com a legislação brasileira, temos a seguinte cronologia, conforme Quadro 1, a seguir.
QUADRO 1
HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
DIPLOMA LEGAL | Nº | DATA | OBJETO |
Constituição | …. | 1824 | Cria a figura dos “socorros públicos” |
Constituição | …. | 1891 | Cria a aposentadoria por invalidez dos funcionários públicos (custos do estado) |
Constituição | …. | 1934 | Cria a contribuição de empregados, empregadores e Estado |
Constituição | …. | 1937 | Cria os seguros por acidente de trabalho, de vida, de invalidez e velhice |
Decreto-Lei | 288 | 20/02/1938 | Cria o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado |
Decreto-Lei | 651 | 26/08/1938 | Cria o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados do Transporte e Cargas |
Decreto-Lei | 1.355 | 19/07/1939 | Cria o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Operários Estivadores |
Decreto-Lei | 1.469 | 01/08/1939 | Cria o Serviço Central de Alimentação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. |
Decret0-Lei | 2.122 | 09/04/1940 | Dispõe sobre o regime de filiação de comerciantes ao sistema da Previdência Social, que passou a ser misto. |
Decreto-Lei | 7.835 | 06/08/1945 | Estabeleceu um percentual mínimo de 70% e 35% do salário mínimo para as aposentadorias e pensões, respectivamente |
Decreto-Lei | 8.742 | 19/01/1946 | Cria o Departamento Nacional de Previdência Social |
Constituição | …. | 1946 | Não representou nenhuma mudança de conteúdo no que tange à Previdência Social. Mas “seguro social” passa a ser “previdência social”. |
Lei | 3.807 | 1960 | LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Cria o Auxílio-Exclusão, o Auxílio-Natalidade e o Auxílio-Funeral. |
Lei | 4.214 | 02/03/1963 | Cria o Fundo Assistência e Previdência do Trabalhador Rural-FUNRURAL |
Lei | 5.316 | 1967 | Cria o Seguro de Acidentes de Trabalho |
Constituição (Emenda Constitucional) | …. 1 | 1967 1969 | Cria o Seguro-Desemprego |
Decreto-Lei | 72 | 01/01/1967 | Criou o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). |
Decreto-Lei | 564 | 01/05/1969 | Inclui o trabalhador Rural na Previdência Social. Cria a Previdência Social Rural |
Lei Complementar | 11 | 25/05/1971 | Cria o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), que utilizava recursos do FUNRURAL. |
Lei | 5.859 | 11/12/1972 | Inclui os Empregados Domésticos na Previdência Social |
Constituição | …. | 1988 | Deixa claro que, dentro do Sistema da Seguridade Social, os serviços de saúde e de assistência social não dependem de custeio, ou seja, não demandam que seus usuários efetuem uma contraprestação para que possam usufruir de tais serviços, devendo, tão somente, se encontrarem em situação tal que demande o respectivo serviço. Portanto, fica implícito que a necessidade de custeio prévio da Previdência Social pelo beneficiário fica rompido. |
Lei | 7.998 | 11/01/1990 | Cria o FAT-Fundo de Amparo ao Trabalhador. Regulamenta o Seguro-Desemprego |
CRUZ, Célio R. da; “Origem e Evolução da Seguridade Social no Brasil”
MARQUES, CASSIUS; “Breve Histórico da Seguridade Social, com ênfase na Previdência”
NOLASCO, LINCOLN; Regimes previdenciários e evolução legislativa dos regimes próprios de previdência social”. https://jus.com.br/956300-lincoln-nolasco/publicacoes.
De acordo com a legislação apresentada, o Governo e o Parlamento fizeram um “mix” entre a previdência social enquanto sistema de aposentadoria e a obrigatoriedade de oferecer serviços universais de saúde e de assistência social aos cidadãos.
Mas a obrigatoriedade dos serviços universais de saúde e de assistência social ofertada pelo Governo, não pode entrar em um sistema de previdência atuarial como deve ser um sistema de aposentadoria.
Portanto, quando se fala em “déficit” da Previdência Social se está falando de um sistema muito mais amplo que o sistema público de aposentadoria.
Vamos imaginar alguns exemplos sobre este tema, tomando a situação de dois cidadãos. O José da Silva e o João Silva. Imaginemos que ambos começaram a trabalhar em 1987. O José da Silva empregado no comércio e contribuinte da previdência. O João Silva era à época trabalhador rural.
Quando o José da Silva (em 1987), por exemplo, aos dezoito anos, começa a pagar o INSS, ele realmente sabe que tem que pagar por acontecimentos futuros que nada dizem a ele, como os tais benefícios listados acima?
O cálculo da “previdência” é um cálculo atuarial que tem como variáveis fundamentais os “tempos”: tempo de pagamento e tempo de usufruto. E, claro, mais algumas outras variáveis, como salário, taxa da inflação, etc.
Como entra neste cálculo a probabilidade de o José da Silva ser preso? Ou de ter filhos? Ou de constituir família?
Mas será que ele sabia que a Lei Nº 4.214, de 02 de março de 1963 incluiu no seu sistema de previdência os trabalhadores rurais que nunca haviam contribuído para o sistema de previdência social? E o que é mais importante, com os mesmos direitos que ele?
Notemos que o Art. 2º da Lei Complementar Nº 11, de 25 de maio de 1971, estabelece o seguinte:
“Art. 2º O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural consistirá na prestação dos seguintes benefícios:
I aposentadoria por velhice;
II – aposentadoria por invalidez;
III – pensão;
IV – auxílio-funeral;
V – serviço de saúde;
VI – serviço de social”.
Ou seja, foram dados aos trabalhadores rurais os mesmos benefícios pelos quais ele iria pagar. Isto é justo?
O Governo estava fazendo distribuição de renda com o dinheiro de quem não podia fazer tal distribuição.
Há de se argumentar, mas como se poderia prevenir as agruras da velhice de um trabalhador rural?
Neste caso, acertadamente, o Governo criou outro sistema de previdência social, adaptado para este caso particular, haja vista que foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural-FUNRURAL (Lei 4.214). Isto da mesma forma como há uma previdência social para os funcionários públicos federais, o Regime Próprio de Previdência Social-RPPS, e o sistema previdenciário para os militares.
Aqui não estou advogando que não se faça uma reforma na previdência social atual. Ela é necessária porque a pirâmide populacional no Brasil está a apresentar uma tendência completamente diferente daquela de 30 anos atrás. A população jovem (que é quem sustenta a previdência social) está crescendo cada vez menos que a população idosa. Assim é necessário que se faça a reforma. Mas aqui cabem várias perguntas.
A primeira é: por que as mulheres que vivem mais que os homens têm que ter idade de aposentaria menor que a daqueles?
Outra pergunta é: como seria calculado o valor real das contribuições e o valor real dos benefícios recebidos? Isto seria importante se para saber o “superávit” ou “déficit” do José da Silva para com a “previdência social”.
Mas aí temos alguns problemas. Primeiro, e se o José da Silva nunca tenha ficado doente? Ou não se tenha casado? Ou não tenha sido preso? Os gastos totais do INSS levariam isso em conta, é claro. Mas ele não recebeu todos os benefícios.
Agora imaginemos a existência de outro contribuinte: o João Silva. Imaginemos que este esteja exatamente na mesma situação do José da Silva, com um adendo: o João Silva é um trabalhador rural, ficou doente (pelo menos uma vez), casou, foi preso e, portanto recebeu os benefícios ofertados pela “previdência social” seria justo este senhor receber a mesma aposentadoria que o José da Silva?
Desta forma, a sistemática da previdência social é a mais injusta das políticas nacionais.
Injusta por que imputa a todos os contribuintes o valor de uma contribuição dependente apenas de sua renda, não levando em consideração os benefícios que cada um recebe.
Por outro lado é injusta por que estabelece um teto máximo de recebimento, não necessariamente compatível com as necessidades daquele contribuinte quando de sua aposentadoria.
Neste trabalho tentei calcular o real déficit da “previdência social” no Brasil. Mas quis calcular este déficit trabalhando os valores da arrecadação contra aqueles da aposentadoria mais os gastos com os incentivos: auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio-funeral.
Não foi possível encontrar dados para isso. Pesquisei em todos os “sites” da previdência social, do CGU, do INSS, do Ministério do Planejamento e do Ministério da Previdência Social. Por sinal este não mais existe.
Aqui vale chamar a atenção para a profusão de mudanças dos órgãos responsáveis pela previdência social.
A política de “previdência social” já esteve sob a tutela dos seguintes ministérios, conforme a descrição abaixo:
EVOLUÇÃO DOS MINISTÉRIOS
- 1961 o então Ministério do Trabalho Indústria e Comércio passa a se chamar Ministério do Trabalho e Previdência Social (Lei 3.782/1960)[1]
- 1974 é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) que se desvinculou do Ministério do Trabalho (Lei 6.036/1974)[2]
- 1990 é extinto o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e é restabelecido o Ministério do Trabalho e Previdência Social (lei 8028/1990)[3]
- 1992 o Ministério do Trabalho e Previdência Social é dividido em Ministério do Trabalho e Ministério da Previdência Social (lei 8490/1992)
- 1995 o Ministério da Previdência Social (MPS) volta a ser novamente o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) (medida Provisória nº813/1995[4])
- 2003 o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) passa a ser denominado Ministério da Previdência Social (MPS) (lei 10.683/2003)[5]
- 2007 foi criada a Secretaria da Receita Previdenciária, pela Lei Nº 11.457/2007.
- Na atualidade a Previdência Social está ligada ao Ministério da Fazenda, conforme Quadro 2, a seguir.
QUADRO 2
OS MINISTÉRIOS DO GOVERNO TEMER
Qual o porquê de tantas mudanças? Foi somente para atender ao jogo político?
Vale, finalmente, chamar a atenção para o fato de que qualquer sistema de aposentadoria deve ser trabalhado como um processo estocástico.
É importante salientar que somente em 1999 critérios atuariais foram introduzidos no cáculo do valor dos benefícios do Regime Geral de Aposentadoria (o INSS), quando foi utilizado o “fator previdenciário” (Ver Lei nº 9.876, de 1999), conforme a seguinte fórmula:
CÁLCULO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO
Onde:
f = fator previdenciário;
Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;
Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria;
Id = idade no momento da aposentadoria;
a= alíquota de contribuição correspondente a 0,31.
Entretanto, a recomendação da Organização Internacional do Trabalho, recomenda que para o caso específico deve-se trabalhar com as seguintes variáveis, conforme Subranmanian Iyer (Iyer, 2002):
δ – Mede a influência da TAXA DE JUROS
ρ – Mede a influência do CRESCIMENTO DE NOVOS
CONTRIBUINTES
φ- Mede a influência do crescimento dos SALÁRIOS
β – Mede a influência da INDEXAÇÃO DA APOSENTADORIA
μdx – Mede a influência da MORTALIDADE
μix – Mede a influência da INVALIDEZ
μjx – Mede a influência de OUTROS ACIDENTES
θ – Mede a influência da INFLAÇÃO
Mas é argumentado no trabalho de Iyer (Iyer, 2002) que
as seguintes hipóteses são as situações mais
esperadas.
- φ ≥ β ≥ θ
- δ > ρ > φ
Por outro lado, ainda segundo o trabalho de Iyer (Iyer, 2002) deveremos ter
- O número de novos entrantes no intervalo (t, t + dt) deverá ser eρt.dt, enquanto o nível de salário no tempo t será eφt e unidade de aposentadoria deve elevar-se a eβt em t anos.
Mas, ainda há outras complicações. Por exemplo, como crescerá a população?
O trabalho em referência, as funções-chave para o comportamento populacional são contínuas e diferenciáveis.
Estas funções são:
- Função População Ativa – A(t)
- Função População Aposentada – R(t)
Mas tambem devem ser consideradas as seguintes funções:
- A Função Despesas – B(t)
- A Função Salário Segurado – S(t)
Para não ficar muito cansativo, fiquemo por aqui. Apenas lembrando que existem cinco métodos diferentes de financiamento do sistema previdenciário.
Portanto, as discussões sobre a reforma da previdência não podem se restringir ao problema do tempo de aposentadoria.
É óbvio que os congressitas não entendem patavina do que se está falando, mas os técnicos do Ministério da Fazenda têm a obrigação de explicar claramente todos os métodos e as hipóteses trabalhadas.
Se, por exemplo, o Brasil voltar a crescer a taxas superiores a 5,0% ao ano, como ficará o sistema previdenciário? E se o Brasil resolver abrir suas fronteiras para a imigração de trabalhadores estrangeiros, mas com a obrigação de contribuir para o INSS, como ficará o sistema objeto deste artigo?
Na proposta que está sendo discutidfa no Congresso Nacional, não há informações que nos permitam responder a estas perguntas.
Para mim, está bastante claro que o Governo trabalha, apenas, com três variáveis:
- Perspectiva de vida do brasileiro;
- Idade para aposentadoria;
- Tempo de contribiuição.
Mas o ponto central é: o sistema previdenciário, em tese, é um sistema para quem trabalha. Ora, quem trabalha recebe uma contrapartida monetária. E isso significa que esse cidadão é um empregado. Sendo assim, por que há distinção entre classes de empregados? De um lado temos os empregados na indústria, no comércio, nos serviços, na agricultura. Do outro lado, temos os militares e os empregados públicos (do executivo, do judiciário e do legislativo). Em termos de salários os empregados do legislativo e do judiciário, para uma mesma função, como, por exemplo, motorista ganham bem mais que aqueles do executivo. Por que?
Desta forma, há muita coisa a ser corrigida. E não é uma mudança de regras como as que estão postas que irá solucionar o problema da Previdência Social do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
IYER, SUBRAMANIAN, Matemática Atuarial de Sistema de Previdência Social. Coleção Previdência Social. Vol. 16. Ministério da Previdência e Assistência Social. Secretaria de Previdência Social. Brasilia, 2002.
CRUZ, Célio R. da; “Origem e Evolução da Seguridade Social no Brasil”
MARQUES, CASSIUS; “Breve Histórico da Seguridade Social, com ênfase na Previdência”
NOLASCO, LINCOLN; “Evolução Histórica da Previdência Social no Brasil e no Mundo”
PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. www.presidencia.gov.br/legislação
CRUZ, Célio R. da; “Origem e Evolução da Seguridade Social no Brasil”. Em Sustentabilidade econômico-financeira da previdência social frente ao novo perfil demográfico brasileiro (o efeito da inversão da pirâmide etária no Brasil). CR da Cruz, RA Ribeiro, DS Morais, FR Batista, FM. Organizadores.
MARQUES, CASSIUS; “Breve Histórico da Seguridade Social, com ênfase na Previdência” . http://supercassius.jusbrasil.com.br
NOLASCO, LINCOLN; “Regimes previdenciários e evolução legislativa dos regimes próprios de previdência social”. https://jus.com.br/956300-lincoln-nolasco/publicacoes.