PEDRO JORGE RAMOS VIANNA
Professor Titular da UFC. Aposentado
Desde o começo deste ano (2013) que os brasileiros estão às voltas como mais um problema: o espectro da inflação.
Todos os dias este vocábulo está na imprensa. Todos o discutem. Economistas ou não. E por que isso?
Porque o vocábulo “inflação” embute em si mesmo uma infinidade de conceitos, de sutilezas semânticas e econômicas. E sua medição? Ah, isto é outro problema.
Em 2003 publiquei um livro pela Editora Manole sobre este tema. Lá, apresento 37 diferentes definições de inflação. E como medi-la? A forma clássica é calcular a variação no índice de preços. Mas que preços?
Muitas instituições se dão ao trabalho de calcular os índices de preços: algumas calculam os índices Gerais de Preço; outras, os Índices de Preços ao Consumidor; outras, ainda, os Índices de Custo de Vida. Desta forma, existem inúmeros índices de preços para medir a inflação. Tomando-se os mais conhecidos, conforme as Instituições que os calculam, pudemos construir o Quadro 1, a seguir.
Deve-se chamar a atenção que estes são os principais. Mas há algumas subdivisões para alguns deles. Aqui apresento apenas estes.
QUADRO 1
AS INSTITUIÇÕES E SEUS ÍNDICES DE PREÇOS
INSTITUIÇÕES | ÍNDICES |
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística | IPC*, IPCA, INPC |
FGV- Fundação Getúlio Vargas | IGP-DI, IGP-M, IPA-DI, INCC,IPC |
FIPE/USP- Fundação Instituto de Pesquisa da USP | IPC |
DIEESE- Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos | ICV |
*extinto em março de 1991
E como variam tais Índices?
No Quadro 2, apresento para 2010, 2011 e 2012 essas estatísticas.
QUADRO 2
AS VARIAÇÕES DA INFLAÇÃO (%)
VARIAÇÕES ANUAIS
ÍNDICES | 2010 | 2011 | 2012 |
IPCA-ibge | 5,91 | 6,50 | 5,84 |
INPC-ibge | 6,47 | 6,08 | 6,20 |
IGP-DI-fgv | 11,30 | 5,00 | 8,10 |
IGP-M-fgv | 11,32 | 5,10 | 7,82 |
IPA-DI-fgv | 13,85 | 4,12 | 9,13 |
INCC-fgv | 7,77 | 7,49 | 7,12 |
IPC-fgv | 6,24 | 6,36 | 5,74 |
IPC-fipe | 6,40 | 5,81 | 5,10 |
IVC-dieese | 6,41* |
Aqui duas situações podem ser analisadas. A primeira diz respeito às diferenças entre os Índices para um mesmo ano. A segunda, o comportamento temporal desses índices.
Quanto ao primeiro aspecto, chama a atenção a grande diferença entre os Índices Gerais de Preços e os Índices de Preços aos Consumidores. Em 2010, por exemplo, a diferença entre o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas e o IPCA do IBGE foi de 7,94 pontos percentuais. Aqui o índice da FGV é mais que duas vezes o índice do IBGE. O que determinou tal comportamento?
O problema aqui é que nenhum desses índices é universal no sentido de englobar os preços de todos os bens. Por outro lado, o período de coleta dos dados difere de índice para índice. Assim, somente com muita coincidência teremos dois índices variando com o mesmo valor. Portanto, o valor do índice depende da sua metodologia de coleta e de fórmula de cálculo.
Por outro lado, o Governo Federal, leia-se Banco Central, por força do Decreto N º 3.088, de 21 de junho de 1999, passou a trabalhar com o “regime de metas de inflação”, que tem como base o comportamento do IPCA, conforme Silva ET alli (Silva, Hennings e Gutierrez, 2010):
“As projeções de inflação são apresentadas em tabelas com intervalos de confiança de 10%, 30% e 50% e em gráficos de leque: leque de inflação. O horizonte de projeção era variável, pois apresentava as projeções trimestrais para o IPCA cheio referentes ao ano em curso e ao seguinte. Esse formato privilegiava a projeção em cada ano civil, modalidade de fixação da meta para a inflação. Em março 2008, houve evolução no sentido de estender-se o horizonte de projeção para dois anos (ou oito trimestres) de forma permanente, ou seja, o horizonte permanece constante, consistente com a percepção do horizonte de longo prazo da política monetária.”
Assim, dada essa metodologia poder-se-ia pensar que o IPCA calculado pelo IBGE seria a medida ideal para a inflação. Entretanto, não há justificativa lógica para assim proceder. O IPCA é medido conforme a seguinte metodologia. O período de coleta do IPCA estende-se, em geral, do dia 01 a 30 do mês de referência. A população-objetivo do IPCA abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 40 (quarenta) salários-mínimos, qualquer que seja a fonte de rendimentos, e residentes nas áreas urbanas das regiões. A abrangência geográfica do IPCA engloba as regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, Brasília e município de Goiânia. Desta forma, ele não é um índice universal, abrangendo todo o território nacional.
Outro problema sobre o comportamento dos preços é que a economia brasileira continua indexada, e isto traz conseqüências para o comportamento da inflação.
Na realidade, existem vários indexadores em nossa economia. De fato, no Quadro 3, abaixo, temos a lista (e suas variações em 2012) dos vários indicadores que são transformados em indexadores. Assim, por exemplo, a TR é um indicador para os débitos para com a Receita Federal. O Salário Mínimo é um indexador para a variação dos benefícios do INSS, e assim por diante.
QUADRO 3
OS INDEXADORES DA ECONOMIA BRASILEIRA
INDEXADORES | VARIAÇÕES EM 2012 (%) |
TR – Taxa Referencial de Juros | 0,29 |
RP – Rendimento da C. de Poupança | 6,48 |
TBF – Taxa Básica Financeira | 8,16 |
SELIC- Sistema Especial de Liquidação e Custódia | 8,49 |
TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo | 5,85 |
FGTS- Fundo de Garantia do Tempo de Serviço | 3,30 |
CUB/SP – Custo Unitário Básico da Construção Civil/SP | 7,29 |
UPC – Unidade Padrão de Capital | 0.54 |
SM – Salário Mínimo | 14,13 |
Portanto, deve-se sempre tomar cuidado quando se discute o fenômeno “inflação”.
Finalmente, devemos discutir o porquê de a inflação ser considerada um mal que deve ser combatido e como o Governo deve combatê-la.
A inflação é um mal porque ela é um “imposto”. O chamado “imposto inflacionário”. E por que ela é um imposto?
A inflação é um imposto porque ela é a depreciação da moeda face ao Índice inflacionário.
De fato, podemos definir este “imposto” através da expressão
IIFt = MPt – 1 – MPt – 1 /(1 + it)
= (it MPt – 1 ) / (1 + it)
onde
MPT = Meios de Pagamento no Tempo t
it =Taxa de Inflação no Tempo t
r1 = Taxa de Depósitos Compulsórios
r2 = Taxa de Depósitos Voluntários dos Bancos Comerciais no BACEN
rm = r1 + r2
MP = PMPP + DVBC
Mas, se a inflação é um imposto, quem ganha e quem perde com ela? É fácil mostrar que ganham o Banco Central do Brasil e os Bancos Comerciais.
Isso é facilmente demonstrável.
Dado que
IIFt = it [PMPP + DVBC] / (1 + it)
= ( itPMPP) / (1 + it) + ( itr1 DVBC) / (1 + it) +
+ ( itr2 DVBC) / (1 + it) +
+ [ it (1 – rm) DVBC] / (1 + it)
Tem-se que
A RECEITA DO BACEN É DADA POR
RIAM = it PMPP / (1 + it) + [ it (r1 + r2) DVBC]/ (1 + it)
E, PORTANTO, A RECEITA DOS BANCOS COMERCIAIS É DADA POR
RIBC = [it (1 – rm)DVBC ] / (1 + it).
Não é por acaso que o setor bancário está a apresentar margens de lucro cada vez maiores.
E quem perde com a inflação?
O mais revoltante é que tal imposto incide basicamente sobre a classe assalariada. O Salário do fim do mês já não é aquele do começo do mês. Na verdade, ela incide sobre todos aqueles que vivem de rendimentos fixos.
É por isso que ela deve ser combatida!
E como o Governo deve combatê-la?
A teoria econômica nos ensina que os preços fundamentais devem variar em “sintonia fina” entre eles. E isto está acontecendo? A Resposta é não. O Governo, leia-se COPOM, está a combater a inflação somente via taxa de juros. Esta é uma estratégia errada. Veja-se que o Real está sobrevalorizado, o volume de moeda (M1) está a crescer mais que os índices de preços; os Salários estão a crescer mais que a variação dos índices de preços. Portanto, não há “sintonia fina” entre os preços. E o Governo está a gastar mais do que arrecada.
Não há evidências históricas conhecidas que justifiquem tal comportamento por parte das Autoridades Monetárias brasileiras.