As origens do Banco do Nordeste

Pedro Sisnando Leite

Considerações Iniciais

O Banco do Nordeste do Brasil foi criado em 19 de julho de 1952. As comemorações pelos seus sessenta anos de existência foram marcadas pela realização do XVIII Fórum BNB de Desenvolvimento e o XVII Encontro Regional de Economia, com a participação da Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC).

Em Sessão Especial: “60 anos de desenvolvimento”, presidida pelo Superintendente do ETENE, Dr. José Narciso Sobrinho, tive oportunidade de falar a uma numerosa assistência sobre alguns aspectos da história do BNB. Foi para mim motivo de muita emoção e agradecimentos pelo atencioso convite para participar desse evento.

Nesta Crônica, e em outras que oportunamente irei elaborar, vou oferecer aos meus leitores registros pessoais sobre o itinerário seguido por essa Instituição desde a sua concepção.

Se olharmos os acontecimentos da história econômica desde a década de 1950 no Nordeste, não será difícil observar que a criação do Banco do Nordeste foi a mais importante e duradora política do Governo Federal com vistas ao desenvolvimento regional dessa parte do País. Muitos foram os problemas que ameaçaram o adequado desempenho dessa instituição ao longo dos anos, quer no tocante a fontes de recursos para o cumprimento de suas funções ou por conflitos de diretrizes emanadas do governo federal que não eram acatadas de modo subserviente pela administração do Banco. Até a inadequada aplicação de recursos foi às vezes suscitada uma vez ou outra por órgãos de fiscalização e pela opinião pública, como corre no momento através dos meios de comunicação.

A finalidade desta Crônica, entretanto, é oferecer informações gerais que motivaram a criação do Banco e destacar a relevância do seu papel no desenvolvimento regional do Brasil. Na verdade, muitos historiadores afirmam que não poderemos prever o futuro sem conhecer o passado. Outros, como Arnold Toynbee , dizem que quem não conhece a história tem o risco de repeti-la, às vezes com drásticas consequências. Na qualidade de membro do Instituto Histórico do Ceará aprendi como é importante conhecer os fatos e as personalidades que marcaram a vida das sociedades e dos países. Segundo essa maneira de pensar, é válida a opinião do Prof. Paulo Freire de que “As memórias de nós mesmos ajudam a entender as tramas das quais fazemos parte”.

 Nova Fase no Combate às Secas

No início da década de 1950, era grande o desalento do Governo Federal e da população do Nordeste com relação aos efeitos das obras de combate às secas, de responsabilidade da Inspetoria e depois Departamento Nacional de Obras Contras as Secas(DNOCS). É bom registrar que foram muitas as realizações desse Órgão em infraestrutura , estudos dos recursos naturais, e construção de açudes. Mas teve de enfrentar graves problemas políticos em face de denúncias de delapidação de recursos públicos.

Para contornar essa situação, nesse mesmo ano, foi aprovada uma Lei de autoria do deputado cearense Paulo Sarasate autorizando o Poder Executivo a financiar os particulares para construírem obras de melhoramento das fazendas contra as secas. Acredito que essa iniciativa foi a chave para a criação futura de uma agência de crédito, pois o Banco do Brasil não tinha capilaridade para executar essa responsabilidade, que passou a ser uma cobrança constante das lideranças políticas da Região. Nessa época vigia uma grande turbulência politica decorrente das eleições presidenciais que se aproximavam.

Quando foi iniciado o Governo do Presidente Getúlio Vargas em 1951, eram grandes as expetativas na nova administração. Para ajudá-lo a preparar um plano de desenvolvimento, o Presidente Vargas criou uma Assessoria Econômica junto ao seu gabinete. Novamente o destino estava favorável ao Nordeste, pois passaram a fazer parte dessa importante equipe os economistas nordestinos Rômulo Barreto Almeida, Jesus Sores Pereira e Ignácio Rangel, depois Cleantho de Paiva Leite.

Logo nos primeiros meses de 1951, ficou caracterizada mais uma devastadora seca no Nordeste, com perdas de safra, invasões nas prefeituras e reclamações de todos os lados. O Presidente, então, recomendou a sua assessoria que verificasse o que estava realmente acontecendo em consequência das estiagens no Nordeste. Depois de uma viagem de observações às áreas afetadas, foi preparado um excelente relatório, que posteriormente serviu como documento base da Comissão Incorporadora do Banco do Nordeste do Brasil. Ou seja, foi esse estudo que estabeleceu as premissas para a criação de um banco de desenvolvimento regional. O ministro da Fazenda também foi pressionado por recursos para financiar os fazendeiros, segundo a Lei Sarasate. Ao regressar de uma visita à Região, para participar de reunião sobre a produção algodoeira, assessorado por Guilherme Arinos, o Ministro Horácio Lafer propôs a organização de um banco que fosse “eficiente” e lidasse com recursos limitados.

Em vista desses acontecimentos, o Presidente Vargas diretamente com sua assessoria técnica, coordenada pelo economista Rômulo Almeida, delineou uma instituição de crédito inovadora, depois de longas discussões com muitos especialistas conhecedores da economia brasileira, inclusive Roberto Campos. O princípio fundamental desse novo ente de natureza mista foi limitar o arbítrio dos diretores, admitir um funcionalismo rigorosamente selecionado (treinado e responsável), com planos de ação bem delineados. O Presidente Vargas deu total apoio para que fosse implantado um sistema de mérito, o que foi feito com muito êxito pelos administradores do Banco desde a sua instalação.

A mensagem presidencial para a criação do Banco do Nordeste foi encaminhada ao Congresso Nacional em 23-10-1951 com o intuito de cumprir o magno preceito inscrito no art.198, § 1º da Constituição, relativo à aplicação de parte das verbas federais de assistência ao Nordeste através de crédito aos agricultores e industriais do Polígono das Secas. Depois de muitas discussões, que oportunamente irei comentar, a Lei nº 1.649 foi sancionada em 19-07-1952, que é a data comemorada como de constituição do BNB.

Conforme o relato de Rômulo Almeida, o Banco do Nordeste para ser instalado precisava esperar a elaboração do Orçamento do ano de 1953, pois os recursos da quota do Tesouro no Capital da nova Instituição já estavam todos empenhados. Para que não fosse adiada a organização do Banco, o Presidente Getúlio Vargas constituiu uma Comissão Incorporadora por decreto de 29/4/1953 e um ato que autorizou o Ministério da Fazenda a colocar à disposição dos incorporadores a soma de 70 milhões de cruzeiros, “que era a quota do Tesouro no capital inicial do Banco, que assim foi logo realizada integralmente, afastando os últimos óbices à pronta instalação do Banco do Nordeste do Brasil”.

A referida Comissão Incorporadora foi constituía de Rômulo Almeida, Francisco Vieira de Alencar (cearense) e Cleantho de Paiva Leite (BNDS) os quais cumpriram sua missão com grande êxito com a subscrição de 30% das ações do Banco de investidores particulares, Estados e Municípios nordestinos. Em 15/1/1954 o Banco do Nordeste foi constituído em Assembleia Geral de Acionistas, realizada em Fortaleza, sede do estabelecimento. Os recursos operacionais que o BNB contou inicialmente foram os 0,8% da renda tributária, como parte dos 3% dos recursos destinados ao combate dos efeitos das secas. Essa fonte de meios financeiros para operações do banco foi eliminada na Constituição de 1967. Vale antecipadamente lembrar que outras fontes de recursos operacionais do Banco provieram do sistema de incentivos fiscais conhecidos como artigos 34/18(1961), depois transformado no Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR, 1975) e o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), instituído na Constituição de 1988.

Para primeiro Presidente da entidade, Vargas nomeou Rômulo Barreto Almeida, em 27/08/1953, a qual toma posse em inícios de 1954. O primeiro concurso público para admissão de pessoal foi realizado no dia 18 de janeiro de 1954, em nove localidades do Nordeste, com centenas de candidatos. De minha parte, ingressei no BNB por concurso público, para estudantes de economia e matemática, realizado em outubro de 1956, para a função de estatístico do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE). Foram selecionados nessa oportunidade Dirceu de Figueiredo Neto (falecido), Francisco Alzir de Lima (falecido) e Pedro Sisnando Leite (graças a Deus vivo). Dedicarei uma Crônica especial à história do ETENE, que é um capítulo especial da vida do BNB e da minha também.

As Atividades Iniciais do BNB

Uma das primeiras providências do Dr. Rômulo como Presidente, além da seleção de pessoal para operacionalizar as funções do Banco, foi buscar assistência técnica internacional para organizar o ETENE e outras atividades da nova instituição que tem características de uma agência de desenvolvimento, diferenciada dos modelos conhecidos no Brasil. Esse assunto é parte da experiência do ETENE, não abordada nesta Crônica.

Outras iniciativas pioneiras do BNB acionadas pela direção do Banco em sua fase inicial de operação foi o estabelecimento da Associação Nordestina de Crédito e Assistência Técnica (ANCAR), com a colaboração do Banco do Brasil. Teve início nessa fase um trabalho sobre artesanato, com o SENAI; e com o Ministério da Viação foi organizado uma rede de armazéns, e com o Ministério da Agricultura e governos estaduais estruturar o sistema de revenda de equipamentos agrícolas. Foi também implantada a Carteira de Assistência às Cooperativas. Cada um desses programas possui uma história rica de experiências que precisam ser analisadas por quem trabalho em desenvolvimento rural do Nordeste.

O Dr. Rômulo Almeida permaneceu pouco tempo como Presidente do Banco e não teve tempo de realizar algumas coisas que eram seu grande sonho. De fato, com oito meses que o Dr. Rômulo estava em pleno exercício de suas funções, o Presidente Getúlio Vargas faleceu, cometendo um traumático suicídio que abalou a nação. No dia seguinte desse acontecido, Dr. Rômulo foi para o Rio de Janeiro e apresentou sua renuncia ao novo Presidente Café Filho (01/09/1954). Como substituto temporário da presidência do Banco foi indicado o Dr. Olavo João Galvão, que já era Diretor (16/9/1954 – 07/5/1955). A seguir foi nomeado o Dr. José da Costa Porto (7/5/1955).

Em três de março de 1956 foi substituído pelo ex-governador do Ceará, Dr. Raul Barbosa, que já ocupava a Chefia da Assessoria Jurídica do BNB “pela sua competência, seriedade e conhecimento da Região”, conforme declarara Rômulo Almeida quando o indicou para este cargo.

Coube ao Dr. Raul Barbosa a grande tarefa de organizar o Banco em bases permanentes. Durante 10 anos, foi fiel aos objetivos que inspiraram a sua criação, resistindo às tentativas do clientelismo regional e firmemente dedicado ao programa de desenvolvimento econômico do Nordeste.(3/3/1956 – 1/2/1961 – 6/2/1962 – 15/3/1967).

Para detalhar melhor a gestão desse Presidente, com o qual tive a honrosa oportunidade de colaborar, escrevi um livro que foi lançado na solenidade comemorativa de aniversário do BNB, em formato gráfico e em modo e-book, cujo título é “Raul Barbosa no Banco do Nordeste”. Quem desejar fazer o download eletrônico desse livro gratuitamente poderá fazê-lo pelo site do Instituto Econometrix: www.econometrix.com.br , clicando na pasta do autor.

Depois de Raul Barbosa vieram outros grandes presidentes, cada um merecendo relembrar seus feitos e dedicação a uma causa patriótica que é realizar um desenvolvimento equilibrado, sustentável e justo para essa grande Região.

Como conclusão desta Crônica em homenagem ao Banco do Nordeste, é oportuno relembrar o que os membros da Comissão Incorporadora do Banco afirmaram naquele momento de constituição do novo Banco (Rômulo Almeida, Francisco Vieira de Alencar e Cleantho de Paiva Leite).

“ NÃO NOS CABE FORMULAR PROGNÓSTICOS QUANTO À TRAJETORIA DO BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. ENTRETANTO, VIVA É A CONFIANÇA QUE TODOS TEMOS EM QUE ORGANIZAÇÃO TÃO NECESSÁRIA E OPORTUNA COMO ESTA NASÇA PREDESTINADA AO MAIS PUJANTE ÊXITO, DE VEZ QUE CORREPONDE A UM VELHO ANSEIO DO POVO NORDESTINO”.

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